O NOVO MILÊNIO É PURO DIVAGAR II

II

E no entanto havia uma nave ali...
Ou seu espectro...
Quer dizer, talvez houvesse, baseado na sensação quase absoluta de uma estranha presença, isto é, não havia nenhuma certeza científica que comprovasse, aos olhos de todos, que, de facto, assim estava se processando aquele chamado contato enumerado na conta de potência, em todos os graus da cristandade exilada, órfã da razão abjeta...
A noite confundia tudo, e o vento, furtivo, atrapalhava os motores de antimatéria, se matéria havia, porque na ilusão nada se vislumbrava...
Como entender as voltas que cada parafuso dá?
Como entender a visão daquela noite estampada numa paisagem brumosa?
E como aceitar a realidade daquela "coisa" gigantesca presente na noite, ameaçando todas as nossas crenças pueris, nossos paradigmas falhos e a douta ciência do materialismo irresponsável?
Porque compreender?
Não há porquês.
Não há nada.
Só idéias ventiladas por mandíbulas cheias de dentes que mastigam esterco.
A verdade é que há muitos aparelhos para se apreciar, brinquedos bonitos, mas muito poucos espíritos.
E a merda daquele som na minha janela parecendo me devorar!
As janelas não paravam de bater! E o vento não parava de ventar...
De inopino não via mais nada...
A lógica é uma coisa engraçada...
Não ouvia mais nada, não sentia nada; tudo pareceu desaparecer, apenas minha consciência insistia em criar...
Parecia o limbo...
Um Limbo intelectual...
Eu via e não via, escutava o silêncio todo transtornado, não havia essências, apenas e tão somente uma sensação de vazio absoluto, embora eu não pudesse delimitá-lo, explicá-lo, descrevê-lo, ocupado por uma tênue névoa esvoaçante...
Meu Deus, onde eu estava?
Possuía todos os meus seis sentidos, talvez mais um ou dois, mas a verdade é que não havia nenhuma matéria para que eu pudesse tecer analogias...
Era um estar no nada, sei lá... mas com conteúdo... Um paradoxo desconcertante.
Que conteúdo existe numa realidade onde não haja nenhuma aparência, somente a sensação de satisfação plena?
Pois era exatamente o que eu estava sentindo...
Jovialidade elevada...
Enlevo.
Uma organização de tal monta que todos os meus tecidos transmutavam-se em gás...
Tal qual a névoa que me envolvia, e ao mesmo tempo entorpecia.
Subitamente senti sede, ou talvez uma idéia subliminar desta, o facto é que não tinha certeza alguma, nem mesmo desta sede primal solenemente perpassada por uma saliva vaga...
A impressão de uma saliva seca, quase viva, quase tão real quanto a minha irrealidade mental momentânea. Coisa cruel num sentido.
Temos todos algumas certezas invioláveis, santificadas, escondidas nas nossas gavetas desarrumadas...
Eu não era diferente de ninguém...
Entretanto, como tudo é transitório, aquele estado de embriaguês omnírica, causado por aquele presença surreal, tão invisível quanto à realidade circundante, não sonhada, fora modificada bruscamente...
Não estava mais no interior do âmago, imerso na mais absoluta das incertezas, porque...
Tão bem eu sonhasse, e não sei se sonhava, e se não sonhava não vivia, também claro não estava...
Decerto que vivia...
Contanto vivesse, sonhava...?
Não me canso de questionar...

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