O FIM DO MUNDO SERÁ ONTEM.

   Arrasto os meus pés cansados chinelos presos aos dedos cobertos por uma meia imunda.
   Encardida.
   Encarquilhada.
   Chinelo de couro desbotado porque nada mais disso me importa.
   O silêncio é unânime. Nenhum carro passa por mim buzinando. Ninguém fala asneiras comigo na rua. Eu ia na padaria,  mas de repente percebo que não existe mais nenhuma padaria aberta a esta hora.
   Eu fazia isto todos os dias, às seis e quinze da manhã; sem sábados, domingos ou feriados. Todos os dias, porque todos os dias eram feriados para mim, e não importa mais que dia é dia porque não teremos mais feriados o resto da eternidade.
   Por outro lado, que bom que não teremos mais nenhuma conta exorbitante para pagar.
   Algumas pessoas de bem costumavam falar bem comigo nas ruas, na vizinhança, em todo lugar, mas hoje elas não existem mais.
   Eu costumava viver numa vila há setenta malditos anos de lixo perto do Colégio Militar. Aquilo era um cheiro de bosta perpétua mas ainda assim eu costumava adorar aquela vila de merda ao lado do Colégio Militar, e sua centenária mangueira com bons frutos prestados à comunidade angustiada juntamente com os passarinhos que vinham beber nesta fonte de perpétua madrugada solar toda ela oi sim.
   Mas eu, sinceramente, não me importo mais com ninguém, nem com os filhos, os netos, bisnetos e os passarinhos, agora qu'eu descobri que eles não vivem mais como era antes, e também porque todo mundo estava cagando pra mim! Esta é que é a verdade seja dita e é!
   Era um tal de uns cagarem pros outros que era uma festa federal!
   Arrasto meus pés cansados, chinelos presos aos dedos cobertos por um par de meias imundas, encardidas, encarquilhadas, como eu mesmo, porque nada disso me importa  mais...

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