Na verdade não se tratava de um
mistério como reconhecidamente o denominamos, mas mero esquecimento. Alguém
havia esquecido uma faca no congelador e é só. Mas teria sido a empregada
mesmo, ou um papai noel perdido nos trópicos devido às borrascas do hemisfério
Norte? Uma coisa é certa: eu não fui! Todavia ela não permanecera por muito
tempo congelada, tampouco a cerveja, e aí foi onde pequei... Pequei sim, como
pecaram também vários irmãos, mas isto é uma contingência da vida, dos
mortais...
aabbbc;
eeeef; ffgghhiiiii - j; kllmmm; pppqq; rrr; tu; uuuuvvvwx. E, finalmente, yzz.
(SIC)
AABBCCCDDDEEEEFFGGHIIIIIJJKLLMMMNOOOOPPQQRRRSSTTUUUUUUVVWXZ1123467890&??!$().
(sic)
Isso
estava escrito num pedaço de papel encontrado ao acaso por mim em cima da mesa
da cozinha, com letras decalcadas sem nenhum critério lógico. Era a segunda vez
naquela madrugada que algo insólito materializava-se bem na minha frente.
Haveria algum sentido oculto por trás deste fenômeno? Quem havia largado aquele
negócio ali? A empregada? Mas por quê? Seria alguma espécie de código, ou tudo
não passava do produto de uma mente insone? Caso não fossem desvarios de um
sonâmbulo, então minha empregada era uma espiã... Russa ou americana? Talvez
israelense? Por que não árabe? Esta hipótese soava ridícula! O copo de cerveja
suava em bicas e eu também. O que fazer? A televisão! Não, àquela hora até a
televisão queria dormir. Deveria acordar a empregada e perguntar a ela sobre a
natureza deste mistério?... Seria uma boa desculpa para surpreendê-la pelada...
Deixe de
ser tarado!
O
melhor mesmo a fazer era assistir ao silêncio da madrugada, ao ronronar da
incansável geladeira teco-teco seu motor fazendo, esperar pela chegada de dona
Aurora através das horas vazias...
Mas
que experiência curiosa aquela de encontrar uma faca congelada dentro do
congelador abandonada como minha alma sã solitária bem, no forno é que não
haveria de ser, embora, apesar dos pesares, uma aura de mistério dominasse a
madrugada com suas tenazes terríveis,
mais um inesperado incidente, menos um acontecimento incomum não seria de todo
surpreendente. O fato importante, no entanto, consistia em deslindar a trama.
Todavia, para isto, requeria-se um espírito descansado, ausência de
perturbação, e não era exatamente o meu estado naquele momento.
A
lucidez era um processo doloroso pelo qual raras vezes alcançara a maturidade
necessária à realização de algo realmente criativo, segundo todos os
prognósticos possíveis e imagináveis, mas nada de sono. Talvez fosse
conseqüente continuar o pesadelo renascido com a vigília, mas isto também não
era exeqüível. Enfim, o pior de tudo era mesmo a prostração fugidia
ir reconciliável, alternadamente quente/frio, frio/quente e quente/frio de novo.
O único meio disponível.
Estas
elucubrações e outras...
Resolvi
fechar o congelador depois de tanto tempo de gelos para o ar, foi então que
percebi a imensa e espessa camada de gelo, formada pelo gás da geladeira,
derreter e escorrer pelo chão da cozinha... Meu Deus! Um pano! Depressa! Não
precisa desespero. Basta fechar o congelador e enxugar o chão, e foi o que fiz.
Passara tanto tempo qu’eu... esqueci... completamente... o que ia falar...
Não tem
importância. Retomemos o fio da meada, ou do bicho da seda, ou da aranha, como
quiserdes. O mais importante são estas linhas, o que está por trás disso tudo.
Gosto de parágrafos longos. Eles supõem prolixidade, no entanto... Ah! Deixa
pra lá...
Mas
é isso...
Alonguei-me
demais só para contar o estado de curiosidade que me causara o fato de
encontrar uma faca no congelador. Mas qual a graça que há nisso, afinal?
Nenhuma realmente. Mas vocês já pararam pra pensar? Uma faca congelada! Que
coisa engraçada... Realmente... Não tem nada de engraçado nisso.
Vou
me alongar mais um pouco apenas para narrar a expectativa que isto me causou
até desistir de ver o despontar do dia e ir-me deitar sem conseguir, tanto que
tornei a levantar meia hora depois desta decisão com o dia já claro. Foi
horrível!
Para
vocês terem uma idéia, eu cansei de tomar decisões naquela noite, simplesmente
porque nenhuma delas me levava a qualquer lugar. Triste verificar tal coisa,
mas era a pura verdade. Nada ou ninguém me livraria da sensação de impotência
perante um estado que não havia escolhido. Não é possível que qualquer pessoa,
que disponha de meios absolutamente normais e verossímeis, queira passar por
aquilo que passei por livre e espontânea vontade. É inadmissível! Não entra na
cabeça de ninguém um negócio desses! Mais escroto do que isso, olha, eu nunca
vi! Daí minha indigna nação. E, pelo que observo a minha volta, a indignação é
geral.
Recolhendo
todos os fatos daquela madrugada peculiar, falta dizer que, agora que posso analisar
a coisa com a frieza e a isenção que só o tempo pode me dar, chego a uma única
conclusão: não havia nenhum motivo para que perdesse uma noite de sono por
isso. E, o fato de me ocupar com saber se fora a empregada ou não a culpada por
deixar uma faca no congelador, a troco de que e outras divagações sensaboronas
impeliam-me a cuidar somente de uma coisa na noite seguinte: dormir.
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