A FACA CONGELADA


Acordei de madrugada massacrado pelo calor sufocante de dezembro. Quando janeiro chegar então... nem sei.

            Fui direto ao congelador, abri a porta e um frescor automático assaltou-me. Se estivesse nas minhas possibilidades dormia lá dentro!

            Mas, coisa estranha, uma faca congelada, esquecida provavelmente pela empregada, quase acordei-a para lhe mostrar sua negligencia, mas será que ela está conseguindo dormir com este calor?!, deve estar com roupas mínimas, ou então estará nua!!

            Entretanto, aquela faca congelada causou-me uma impressão esquisita acerca da logicidade e da utilidade relativa das coisas...

            Uma faca gelada, esquecida no congelador... Pode parecer bobagem, mas um fato como este é verdadeiramente curioso. O que estaria fazendo uma faca dentro do congelador? Nada. Óbvio. A empregada, ao invés de fazer o degelo, tentou diminuir a camada de gelo à base de facadas. Mas por que ela fez isto?! A geladeira tem degelo automático! O gás da geladeira que produz o gelo contém oxigênio, portanto há bactérias vivas ali! Assassina!! Poderia ter esculhambado todo o meu congelador, além de ter destruído a vida de milhões de bactérias, e ainda por cima retirou as minhas cervejas de lá! Isto é inadmissível!!! Droga! Pode-se imaginar tal lance pitoresco da vida, tal acontecimento, digamos, quem sabe, carnavalesco? De qualquer maneira é algo sem dúvida inusitado: uma faca congelada! Que coisa engraçada, não é?... Bem, essas coisas acontecem às vezes... O universo está pontuado de coisas curiosas, coisas sem sentido, coisas inexplicáveis, coisas e mais coisas.

            O fato é que tirei a faca do congelador, passei uma água nela e guardei-a, e a empregada talvez nem tenha percebido minha presença na cozinha, sequer podia suspeitar de um ladrão, como acontece nas novelas; estava dormindo a sono solto, ventilador ligado, velho, barulhento, nua! Acho que vou dar uma olhadinha através da frestinha da porta... Não, não vale à pena. Deixa pra lá. Vou cuidar da minha vida. Só que agora estou desperto. Faca guardada, voltei para a sala.

            Um café até que cairia bem, uma vez que a noite de sono, àquela altura, estava irremediavelmente perdida, porém, após acomodar-me à nova realidade, digamos, vampiresca, refeito de todo torpor, lucidez estampada na cara estupefata, pus-me a refletir se o café faria bem naquela hora saárica.

            Afinal o que estaria por trás daquele incidente meio que surreal?

            Ao entardecer da noite anterior, uma multidão de cupins alados invadira todo e qualquer ponto iluminado. Pareciam surgidos do nada. Mas pode algo surgir do nada? E o Universo?... Mas, não! Isso fora na primavera, estávamos no verão! Baratas voadoras, o terror das mulheres, esta era a ameaça daquela noite. Vários indivíduos haviam sido mortos pela população.

            No entanto, porém, contudo, entretanto, o mistério permanecia...

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