O DIA EM QUE A TERRA ENLOUQUECEU


            Terminado o discurso, todos os povos da Terra entreolharam-se e indagaram-se:

            - E agora...? O que faremos com nosso trabalho, com nossos bens, nossas famílias?! E tudo aquilo no que acreditávamos?! Nossas crenças esboroaram-se como o pólen disperso pelo vento; nossos sonhos, a boa vontade de alguns samaritanos, não foram suficientes para aplacar a fúria dos deuses... Agora só nos resta a pena implacável, o purgatório cósmico...

            Ao que retrucaram os alienígenas:

            - Vossas famílias serão preservadas e abrigadas em espaço apropriado. Sereis respeitados em vossa cultura original, mas não podereis levar bens de espécie alguma, muito menos privilégios adquiridos em função de uma sociedade injusta como esta que erguerdes neste mundo...

            “Aprendereis uma linguagem comum, porém, repetimos, tereis de reaprender a conviver com outras espécies animais, vegetais e minerais. Será vedada a qualquer um de vós qualquer tentativa de reiniciar uma nova civilização segundo os mesmos paradigmas que vos nortearam até aqui. Esqueçam seu passado de equívocos e seitas vãs, filosofias inúteis.”

Entretanto, e aqueles artistas, cientistas, pensadores, políticos e outros cidadãos, que sempre trabalharam em prol do crescimento humano, sem nada destruir, contribuindo sobremaneira para o engrandecimento do espírito de solidariedade e justiça, e que não foram poucos ao longo da história, também serão punidos?

            “Sentimos muito. Mas estes também rezam, de uma maneira ou de outra, pela mesma cartilha dos demais; são dependentes do mesmo sistema que criou toda esta cultura que engendrou o Caos; não poderão viver como certas tribos americanas, africanas, asiáticas, ou australianas, sem prejudicar-lhes a pureza. Terão de cumprir a mesma pena.” 

            Era um destino implacável.

            Milhões de seres humanos começaram a embarcar naquelas naves que vieram para levar-nos a uma espécie de planeta-colônia-penal. Nenhum país do mundo, nenhuma cidade, nenhuma choupana ou vila deixou de ser evacuada...

            Na Amazônia, nos desertos africanos ou australianos, nas florestas asiáticas, aqueles povos fiéis a sua cultura de respeito à natureza, olharam estarrecidos o desfile dos carros dos deuses e acenaram entristecidos...

            Sim, ainda tinham pena de nós, de quem se consideravam irmãos, mesmo que nós tenhamos destruído sistematicamente centenas de milhares de culturas ao longo da história, e massacrado seus ancestrais sagrados, eles ainda choravam nossa partida...  

            Mas os deuses não tinham sentimentos humanos...

            Assim, centenas de povos, nações inteiras, foram enviadas a algum ponto do espaço desconhecido. Teriam de reeducar-se para viver em comunhão com as leis universais.

            E o que seria feito das ruínas daquela civilização desaparecida?

            Seriam reduzidas a pó, para que não ficasse nenhuma lembrança nos anais da história de sua existência daninha.

Os cientistas extraterrestres, que ficariam responsáveis pela recuperação e manutenção do patrimônio natural da Terra, encetariam um largo programa de repovoamento das áreas consideradas irrecuperáveis, com um vasto projeto de manipulação genética. Quando os velhos homens, agora renascidos na sua têmpera, retornassem, aí sim teria início uma nova fase na história da Terra.

            Isto foi o que aconteceu naqueles dias que se sucederam à madrugada de abril, maio ou  junho do ano de Nosso Senhor...

O dia em que a Terra enlouqueceu.



                                                                                FIM

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